Uma entrevista com Hans Neuner
Ao longo de cinco anos e cinco menus, Hans Neuner percorreu o mundo em diversas viagens inspiradas pela época dos Descobrimentos portugueses. Entre os séculos XV e XVII, partiam das costas do Algarve caravelas rumo ao Novo Mundo, desbravando novos povos, terras e culturas.
Hans seguiu a rota de Vasco da Gama até à Índia, explorou a América do Sul e o Brasil, e embarcou também numa expedição pela Ásia e pelo Extremo Oriente. Em cada uma destas viagens, foi possível reencontrar as raízes da gastronomia portuguesa nas histórias únicas que agora contamos através da comida.
Este ano, a viagem levaria Hans e a sua equipa à América do Norte, de Newfoundland, ao longo do Canadá e dos Estados Unidos, mas uma rota inesperada de regresso à Europa viria a inspirar um novo rumo para o menu do Ocean...
Já tínhamos viajado bastante pela América do Sul, Índia e Oriente, alguns dos destinos mais conhecidos da época dos Descobrimentos, por isso decidimos olhar para algumas comunidades portuguesas na América do Norte.
Pouco conhecíamos destes locais, com ligações que não nos eram realmente familiares. Isso tornou a investigação muito interessante e valeu a pena olhar mais de perto.
Por exemplo, começámos em Newfoundland, num local chamado St. John’s, que foi inicialmente alcançado por um navegador português e apareceu pela primeira vez num mapa como São João (St. John’s). Curiosamente, viajámos primeiro para o St. John’s errado, mas isso provavelmente espelha muitos dos desafios que também os primeiros navegadores enfrentaram!
Uma forte ligação portuguesa, sobretudo por causa do bacalhau, que é um ingrediente nacional aqui. Não é das nossas águas, mas, salgado, tinha grandes vantagens para as longas viagens marítimas. Foi algo que inspirou o primeiro prato do novo menu.
Newfoundland foi particularmente especial para mim, porque venho de um país frio e fez-me lembrar a minha terra natal. E a ligação ao meu novo lar trouxe também à memória as minhas próprias viagens pela vida. A ideia de viajar, e a ideia das memórias, tornou-se um tema central do menu.
Existe uma grande comunidade portuguesa em Montreal. Foi incrível ver isso refletido na cultura, na música, na arte. Os navegadores portugueses foram dos primeiros a chegar à América do Norte e, mais tarde, os pescadores voltaram por causa do bacalhau. Vêem-se restaurantes portugueses, murais, azulejos... é um lugar cheio de história.
Queríamos traduzir essa ligação num prato, o que nos levou a explorar como poderíamos ligar o mar a um ingrediente muito canadiano, como o xarope de ácer. Acho que resulta muito bem.
Foi uma paragem interessante no que toca a influências portuguesas, porque os primeiros portugueses chegaram ali vindos da Madeira e dos Açores por causa da cana-de-açúcar. Notam-se algumas influências nos doces, mas interessou-nos mais o frango Huli-Huli e a sua ligação ao nosso frango Piri-Piri.
São pratos bastante diferentes, mas nota-se alguma herança comum. Viajámos por cinco ilhas à procura do melhor frango! Devemos ter experimentado todos os restaurantes do Havai! Cada um de nós tinha a sua opinião, mas esta era definitivamente uma ideia que queríamos explorar no menu.
Esta viagem foi bastante diferente das anteriores; foi eclética. Fomos a Nova Iorque, depois a New Jersey, que tem uma das maiores comunidades portuguesas nos Estados Unidos. A seguir, seguimos para São Francisco e San Jose, o que foi uma surpresa. Existe mesmo uma Little Portugal em San Jose!
Encontrámos comunidades enormes em sítios onde não estávamos nada à espera. Muito depois da Época dos Descobrimentos, os portugueses continuaram a viajar pelo mundo.
A ideia de viajar foi muito inspiradora. É algo que sempre fiz, desde criança, com a minha família. Como chefs, dá-nos o desafio de recriar a experiência, mas também de garantir que conseguimos captar a história, a fusão de culturas, a forma como se influenciaram mutuamente na comida e na própria identidade.
Sim. Na verdade, regressámos à Europa passando por Banguecoque e pelo Japão. Foram voos longos e sentimos mesmo que demos a volta completa. Essa sensação acabou por dar origem ao conceito do novo menu: a alegria de viajar, como o Phileas Fogg!
Foram experiências incríveis. Visitámos muitos lugares ao longo destes anos; vimos tanto e aprendemos ainda mais! Sentimos que este era o momento certo para olhar para tudo isso com atenção, e o resultado tornou-se uma homenagem à própria viagem, à ideia da descoberta.
Precisamente. Neste menu estão presentes momentos de todas as nossas viagens dos últimos anos. É, no fundo, uma viagem à volta do mundo. Começamos e terminamos com uma homenagem às minhas memórias de infância ligadas às viagens em família.
Foi um privilégio visitar todos estes lugares, conhecer todas estas pessoas. Acreditamos verdadeiramente que viajar expande a mente... e também o paladar. O início de um novo menu é sempre um momento especial, e estamos muito entusiasmados por poder partilhar esta viagem com os nossos clientes.